Mandem-me passear

​Copenhaga, 21 de dezembro, 2014. No dia mais curto do ano, a escuridão e uma chuva sem tréguas empurrou-nos para dentro de portas mais cedo do que o habitual. Aproveitando para desfrutar a casa acolhedora (viva o airbnb!), e imbuídos de espírito nórdico, acendemos a salamandra, espalhámos velas pela sala e bolinhos pela mesa, enquanto aquecíamos leite com chocolate e glögg (vinho com especiarias).
Pela janela víamos luzes natalícias a iluminarem jardins e o interior das casas, e admirávamos o frenesim silencioso de bicicletas em hora de ponta.

Foi então, a meio da conversa, que pedi atenção aos meus filhos para ouvirem um conselho importante, aquele que deveriam reter para o resto da vida se só pudessem guardar um aviso feito por mim. Fez-se silêncio enquanto aguardavam a revelação.

“Sempre que me virem irritada, triste, esgotada... mandem-me passear.”
“Se eu gritar, mandem-me passear. Se perder a paciência... mandem-me passear. Se estiver num canto, calada e cansada... mandem-me passar. Arranjem-me um bilhete de avião, de autocarro, tirem-me de casa. Prometo que farei o mesmo com cada um de vocês. Hei de mandar-vos passear sempre que puder. Porque esse é o remédio mais eficaz que conheço."
É claro que nos minutos, horas e dias seguintes passei a ouvir com muita frequência, “Mãe... vai passear", com um sorriso cúmplice e malandro.

Brincadeiras à parte, a verdade é que tenho consciência de que somos todos mais felizes quando estamos fora de casa. Mais unidos como família, como pais, como irmãos. Conversamos mais, aprendemos mais uns sobre os outros, rimos mais, construímos pontes e cumplicidades, inventamos jogos, criamos memórias.

Mesmo antes das crianças nascerem foi sempre em viagem que tomámos as grandes decisões da nossa vida: mudar de emprego e de vida, ter filhos, fazer uma viagem longa, avançar com este ou aquele projeto. Fora de casa e das rotinas, a mente fica mais solta e as ideias mais límpidas. Por isso as nossas reuniões de trabalho são sempre ao ar livre; dantes a caminhar junto ao mar, agora a deambular pelos bosques.


No singular ou no plural, a cada dia sinto uma maior urgência de conjugar o verbo passear. Seja viajar para destinos distantes, sair para uma incursão de poucos dias ou descobrir um novo trilho na vizinhança.
Querem ver-me feliz? Mandem-me passear.

Quanto à prole, subscrevo na íntegra as palavras de José Luís Peixoto: “Aquilo que quero deixar aos meus filhos são viagens. Como outros acumulam imobiliário e bens, quero que sejam capazes de acumular momentos e lugares onde estivemos vivos e juntos. Essa será a fortuna que partilharemos”.