Durante muitos anos, habituei-me à ideia que era preciso viajar para longe para chegar a um sítio verdadeiramente bonito. A densidade populacional do litoral, acompanhada da inevitável densidade construtiva, empurrava-me para sítios como o Gerês ou para os asturianos Picos da Europa, sempre que tinha um fim de semana mais alargado.
Depois, chegou o dia em que escolhi o Nordeste Transmontano para viver, por sinal dentro de uma área protegida - o Parque Natural de Montesinho – e agora já não preciso ir a lado nenhum para ir a um sítio verdadeiramente bonito. Muitos alegarão que esta região não tem a espetacularidade montanhosa das duas primeiras, mas a verdade é que possui muitos outros atributos em que não lhes fica nada atrás. E nem sequer preciso ir além da freguesia onde vivo.
Um passeio ao longo da ribeira de Vila Nova, rapidamente revelou a beleza dos característicos túneis de vegetação: freixos, amieiros, salgueiros, alguns choupos e até aveleiras conferem uma espantosa frescura às margens e pintam a paisagem com uma variedade de verdes só percetível neste início de primavera. Estes túneis naturais, a que os biólogos e botânicos chamam de galerias ripícolas, são de uma enorme importância para a saúde dos próprios rios, a começar pelas espécies aquáticas, que se alimentam dos insetos que povoam este tipo de árvores, seja na fase de ovo, larvar ou adulta. E se os insetos alimentam peixes, anfíbios e répteis, estes, por sua vez, hão de alimentar espécies como a lontra, que felizmente ainda sobrevive em quase todos os cursos de água da região.
Em ambas as margens aparecem também lameiros, tirando partido da frescura do vale e da própria geografia. Tal como se faz para os moinhos, é preciso desviar parte da água a montante para trazê-la pela bordadura destes prados, de forma que o feno cresça até ao início do verão, altura em que se começa a segar e a enfardar. São belas obras de engenharia hidráulica, cujo funcionamento os habitantes das aldeias sempre dominaram e acarinharam em manutenções regulares; e o resultado está à vista: além de alimentarem o gado, os lameiros acrescentam diversidade à paisagem e constituem um dos mais belos cenários que se pode apreciar na região.
Tenho de reconhecer a culpa pela demora em aventurar-me até aos moinhos de Donai e de Vila Nova; o de Lagomar já conhecia... mal seria. Estão aninhados entre a vegetação, quase impercetíveis, sempre com o caminho e a levada de água por companhia. Nestes dias, já não moem cereal, mas a sua presença relembra-nos a grande autonomia que estas aldeias tinham ainda há poucas décadas: do pão à lã, da carne aos produtos hortícolas, não esquecendo a forja para fazer ou consertar as diversas ferramentas de trabalho, tudo o que era essencial estava convenientemente a poucos passos de distância... e toda a gente sabia fazer um pouco de tudo.
Por isso é que é possível aprender tanto em tão pouco espaço: numa simples caminhada aqui à volta dá para perceber as diferenças entre as bolotas de carvalho e de azinheira e ficar a saber que os freixos, os salgueiros e os choupos são dos primeiros a despontar a folha, seguindo-se carvalhos e só mais tarde os castanheiros. Tal como numa breve conversa com um pastor podemos começar a distinguir as ovelhas churras bragançanas (uma raça autóctone) das restantes, e descobrir que lá para o fim de maio vêm os tosquiadores aliviar o calor a estes animais. E no que toca a raças autóctones, o assunto não se esgota nas ovelhas... aqui na freguesia também há cães de gado transmontano, vacas mirandesas (de onde pensam que vem a famosa posta?) e até porcos bísaros, ora mais resguardados nas pocilgas, ora gozando algum espaço exterior: basta perguntar por eles e alguém explicará como são estes suínos de grande porte.
E se o mundo rural nos brinda com estas lições, a vertente natural complementa-o com outras.
Não conheço muitos sítios em Portugal onde estas duas facetas ainda convivam tão bem. O facto de a paisagem ser um diversificado mosaico botânico, onde um souto nunca está muito longe de um carvalhal, nem um lameiro de uma ribeira, nem uma seara de uma encosta forrada a giestas e urze, faz com que a fauna silvestre também tenha aqui um espaço ideal para prosperar. Com sorte e alguma atenção, não demora muito até vermos um corço ou uma raposa atravessarem o caminho, e até podemos aprender a localizá-los através dos peculiares sons que fazem... quando já nem sequer há luz para os vermos. Como também é pelo som que distinguimos a chegada dos primeiros cucos, abelharucos e papa-figos – estes últimos, tão vistosos quanto difíceis de observar.
Tudo isto aqui à volta. À distância de um passeio a pé.
Lagomar parece uma pequena aldeia, mas daqui vejo todo um mundo!