Na parede do meu escritório tenho afixado um postalinho de fundo azul onde se lê: “Simple is Beautiful.” Olho para ele todos os dias... só para não me esquecer.
Falando de simplicidade: onde está, afinal, o fotógrafo?
Com a tecnologia no estado em que está, as verdadeiras ferramentas que temos para afirmar a nossa qualidade enquanto fotógrafos são, afinal, as mesmas que nos definem e distinguem enquanto indivíduos. A curiosidade, o sentido de observação, a sensibilidade artística, a consciência da nossa identidade expressam-se, em fotografia, através da noção da qualidade da luz, da escolha da composição, da busca da perspetiva e da perceção do momento correto para pressionar o botão disparador – chamo a isto os 4 os pilares fundamentais da arte fotográfica... curiosamente, nenhum deles selecionável nos menus das câmaras, por mais sofisticadas que estas sejam. A técnica – seja na captação ou na pós-produção – é igual para todos, e qualquer fotógrafo pode aprendê-la até atingir um bom nível (mais livro, menos livro; mais workshop, menos workshop, mais cedo ou mais tarde)! Já a estética, meus amigos, essa está com cada um de nós e não é passível de ser ensinada... apenas temos de aprender a respeitar as ferramentas que nasceram e evoluíram connosco: olhos, cérebro e coração.
Processador e software de pós-produção: como “plastificar” uma foto em 2 passos
A tecnologia digital trouxe vantagens inquestionáveis à fotografia. Se dúvidas houvesse, bastaria apontar a facilidade com que alternamos o ISO ou passamos do modo cor para monocromático em fotogramas sequenciais; ou ainda o simples facto de podermos rever uma imagem imediatamente após a sua captação e proceder às desejáveis correções enquanto no local.
No entanto, certas benesses digitais trazem frequentemente um reverso que deve ser evitado a todo custo, principalmente quando o tema é natureza: a cosmética exagerada, a “plastificação” da realidade, um refinamento que, em muitos casos, atraiçoa a essência natural do nosso objeto fotográfico. Falo de aspetos como a manipulação exagerada da nitidez, do contraste ou da cor, a remoção sistemática daquilo que consideramos serem intrusões visuais, etc. Tudo isto é muito subjetivo, bem sei, mas no que diz respeito à fotografia da natureza, o melhor é ser... natural!
Não ceder à ditadura do equipamento
Sempre repudiei a ideia de que as melhores câmaras fazem as melhores fotografias. Não nego que seja necessário subir de patamar ou de segmento – e consequentemente de preço – se quisermos garantir a fiabilidade do obturador ou uma boa resistência aos elementos e aos impactos, entre muitos outros aspetos, mas daí até acharmos que uma câmara melhor garante imagens melhores, vai uma grande distância. As câmaras profissionais - complexas, volumosas e pesadas – têm muito pouco a oferecer no que toca à nossa disponibilidade física e mental para fotografar, principalmente na natureza, onde já nos basta ter de lidar com o frio, a chuva, os desníveis do terreno ou o calor.
De resto, se o nosso estilo dispensar as potentes teleobjetivas, existem no mercado inúmeras câmaras verdadeiramente extraordinárias, de pequeno formato e preço, que são perfeitamente compatíveis com a nossa imensa criatividade!
O drama das modas
Bem sei que nós, humanos, somos animais sociais. Mas as ovelhas também o são. No entanto, não devemos fotografar como ovelhas, sobretudo se quisermos fazer alguma coisa de jeito em fotografia. E, digo-vos sinceramente, nunca houve tanta gente a fotografar como ovelhas: os mesmos temas, as mesmas técnicas, os mesmos sítios, as mesmas perspetivas... até ao limite da paciência. Onde está o sentido crítico destes fotógrafos? Ou, perguntando melhor, onde está o fotógrafo nestas pessoas? Uma vez, vi num filme alguém que batia com o punho na cabeça de outra pessoa, como se bate numa porta, e perguntava: Está alguém aí? E é isso mesmo que me apetece fazer quando vejo imagens como as que reproduzo abaixo, sabiamente compiladas na conta Insta_repeat do Instagram. Vão até lá e vejam no que nos estamos a tornar.
Forma e conteúdo: fotografamos para nós ou para os outros?
O que é uma boa foto? Para mim, é simplesmente uma imagem que nos tenha dado prazer a captar e que nos dê prazer a rever. E as razões podem ser muito diversas: porque há uma bela história por trás, porque nos identificamos com aquela luz, com as cores, com aquilo que lá está representado, seja uma memória distante da nossa infância ou o corço que finalmente apareceu após esperarmos um dia inteiro num abrigo. Se formos fiéis ao nosso instinto, à nossa identidade, à nossa perceção, então estamos no caminho certo para captar boas fotografias. Claro que isto não basta, se não soubermos também acompanhar o processo com uma boa dose de cultura visual ou estética – que é aquilo que nos ajuda a situar no mundo da arte fotográfica.
Cultura visual e aceitação da imperfeição
Nós não somos perfeitos. As câmaras fotográficas e as objetivas não são perfeitas. A natureza não é perfeita – pelo menos no sentido que tantas vezes os fotógrafos procuram que seja. As árvores nem sempre estão bem penteadas, os cogumelos trazem terra e raminhos nos seus chapéus (porque brotam do solo e erguem com eles o que lá está), há aves que ficam tremidas ou “demasiado” distantes, e focagens que não o são. Tudo isto é “imperfeito”. Tudo isto pode ser belo!
A melhor forma de percebermos o que é aceitável e o que deve ser descartado é aumentando a nossa cultura visual, tentando conhecer a diversidade de discursos estéticos e estilos de fotógrafos conceituados. Podemos não gostar, mas ficamos a conhecer. Sabemos que existe aquela forma de ver o mundo... aprendemos a questioná-la, a viver com ela. Confrontamos, somos confrontados e percebemos melhor onde nos situamos. Ver em quantidade. Ver em diversidade. Só então estaremos preparados para aceitar a imperfeição como expressão possível da nossa sensibilidade.
Simples, não?