Já se sabe que dos fracos não reza a história. Do homem que um dia encontrou uma bela estátua de mármore nos limites das suas terras só se tem a certeza do primeiro nome: Yorgos. A partir daí as fontes dividem-se, não sabem se terá sido Y. Kentrotas ou Y. Bottonis, ou até nenhum deles mas o pai do primeiro: Theodoros Kentrotas. Deve ser por isso que na maior parte dos sítios é apenas referido como “um lavrador”, o pobre grego que em abril de 1820 descortinou um tesouro numa colina voltada para o mar da ilha de Milos.
A partir desse momento, a história ganha contornos mais definidos. Da viagem feita pela estátua e seus fragmentos (um dos braços e a mão esquerda segurando uma maçã, elementos que foram posteriormente perdidos), do oficial francês ancorado num porto da ilha a Luís XVIII e à doação que este fez ao Museu do Louvre, conhecem-se todos os pormenores. Todos os nomes.
Um equívoco se mantém, até aos dias de hoje. A Vénus sempre foi, afinal, Afrodite. Não só porque foi encontrada na Grécia mas porque é criação do período helénico, obra do escultor Alexandros de Antioquia, entre 130 a 100 a.C.. É Afrodite que o governo grego e os habitantes de Milos querem ver de regresso a casa, depois de uma ausência de quase dois séculos, com o argumento inatacável que “os monumentos sagrados de uma civilização não devem ser comprados nem vendidos. Não têm proprietários nem guardas prisionais. Pertencem à terra onde nasceram e à civilização que lhes deu vida”.
Descobri esta petição quando recentemente visitámos a ilha. Nas montras de lojas e restaurantes, nas paragens de autocarros, nas paredes caiadas, multiplicavam-se os posters que apelavam à participação dos turistas, subscrevendo o pedido de devolução do monumento.
Entretanto fui reparando nas mais bizarras versões da deusa grega, e este passou a ser o meu desafio fotográfico. Além das óbvias lojas de recordações, encontrei-a na casa onde ficámos alojados, na forma de um sabonete, no meio de jardins modestos, em galerias de arte, entre pudicas folhas videiras que marcavam a entrada de um café.
Podia aproveitar também para desvendar um pouco das praias maravilhosas, dos coloridos portos piscatórios, dos passeios matinais em vilas tranquilas, das igrejinhas ao pé do mar que cheiravam a manjerico.
Podia, ao invés, falar da quantidade de carros alugados a atravancar as ruas estreitas das aldeias, do lixo a transbordar de contentores, das multidões que se juntam no mesmo lugar para ver o Sol a descer no horizonte, numa atitude meditativa que contrasta violentamente com a falta de privacidade, dos iates a exibir uma riqueza pornográfica.
Não sei se um eventual regresso da Afrodite a casa terá um impacto positivo ou negativo numa ilha que nos últimos quatro anos viu o turismo crescer 50%. Sei apenas que é questão de justiça. Se concorda que os monumentos pertencem à civilização que lhes deu vida, pode também assinar a petição. E, quem sabe, um dia visitar mesmo a Vénus em Milos.