“Tem cuidado com o que desejas” - durante dias carreguei a frase, num misto de culpa e alegria. O marido, atento aos meus pedidos, tinha-me oferecido uma viagem. Ou antes, uma cilada. Porque isto de nos darem o mundo pode ser tão ilusório como nos prometerem a lua.
“Escolhe um sítio passar as férias da Páscoa, sozinha ou em família” – a prenda, sem embrulhos nem laços, foi lançada durante uma pausa para o café. Vinha acompanhada de um discurso sobre a minha necessidade de descansar, mas também de arejar, mudar de vistas.
Parte da questão ficou resolvida na hora. Porque, se muitas vezes reclamo e sonho com dias de absoluta liberdade, não me passa pela cabeça fazer férias sem o resto da família; pelo contrário, quero viajar o mais possível com os meus filhos, enquanto não voam do ninho com outras companhias.
Mas a escolha do destino revelou-se tão difícil como estar perante um bufete de sobremesas. Não é que faltassem ideias, mas se umas encalhavam na distância e no orçamento, outras iam sendo abandonadas por razões várias. Houve uma altura em que, cansada de aventar e descartar hipóteses, pensei desistir. Já quase tinha deixado de pensar nisso, quando acordei uma manhã com uma palavra na cabeça: Riga.
“Porquê Riga?”, perguntou a minha filha, quando dias depois lhes comunicámos o próximo destino. “Porque não?”, respondi. A verdade é que, se há muito tinha tido vontade de conhecer os países bálticos, nunca me tinha debruçado sobre um em particular e pouco sabia, além de algumas leituras dispersas.
Mas quanto mais investigava sobre a Letónia, mais entusiasmada ficava. Além de ser um destino novo para todos, agradava-me a descrição de uma capital que mistura influências europeias com traços da cultura soviética, económica q.b., turística q.b.. Fiquei cheia de vontade de provar seiva de bétula, kvass (refrigerante feito de pão fermentado) e os queijos apetitosos que via nas fotografias. Fiz planos para visitar as igrejas ortodoxas, descansar em cafezinhos acolhedores, passear pelos quarteirões com casas em madeira, perder-me nas vielas medievais de Riga.
Depois de reservados os bilhetes, fiz figas para que a neve se mantivesse até finais de março, para que os miúdos pudessem experimentar snowboard ou esqui nórdico no Parque Nacional de Gauja. Entretanto, aprendi que, na Páscoa, os letões usam baloiços porque acreditam que isso os impede de serem picados pelos mosquitos durante o verão. Soube que 40% da área do país é constituída por floresta, vi imagens belíssimas do outono, desejei voltar lá ainda antes de ter partido.
Quebrei a promessa de ficarmos alojados bem no centro, depois de me apaixonar por um apartamento na margem esquerda do rio, no meio de ruas decadentes, casas de madeira em ruínas, junto a um mercado onde o tempo parece ter parado nos anos 70, senão antes.
Hoje, de regresso a casa, sei que os desejos se cumpriram. Tivemos seis dias sem chuva, mas a sorte de ver cair alguns flocos de neve. Visitámos igrejas, cafés e mercados. Fizemos snowboard e esqui, cruzámos bosques e rios de bicicleta. Provámos tudo de que tínhamos ouvido falar, adorámos o bairro onde ficámos, experimentámos toda a simpatia e frieza de que os letões são capazes.
Uma viagem perfeita? Claro que não, mas se assim fosse também não tinha graça nenhuma. Desta forma fica sempre a vontade de regressar.